sábado, 19 de dezembro de 2009

depois de um dia

e mistura tudo dentro dela, todas as músicas que ela canta pro ar e pra alguém e textos que são pra ela e dela e cores que sugerem certo estado de espírito e sensações e cheiros e lembranças e paisagens de morros que tem duas cores sobre ele num dia que vai chover, mas está fazendo um sol danado. o telefone que toca enquanto está no outro número dizendo coisas de amor pra quem está vendo o mesmo céu, mas separada por um muro alto. a fotografia que tira melhor do que quando escreve, mesmo que só descreva o que vê, mas que poderia escrever o que sente assim como quando canta. a dor do remédio que toma pra ficar melhor e que vai demorar um tempinho ainda pra ficar boa, mas aí é aconselhada do outro lado do fio 'mas pensa que é pra ficar boa de vez' e que não adianta quase nada porque quem sente o incômodo é ela. as trocas de filhos e mães pra ficarem em paz, os neologismos e erros comuns de português que não fazem diferença porque o que vale é a intenção, as histórias bem contadas e recontadas só pra confirmar a veracidade dos fatos e as juras da outra já fazendo ser tudo diferente, os sonhos de uma que se tornam verdade mesmo que anos depois e os delírios e pressentimentos da outra quanto ao que vive. Sempre lembrar de nunca usar as palavras ‘nunca’ e ‘sempre’ porque eles podem estar perto ou longe demais do presente. o exotismo da outra que se parece com alessandra negrine por não tomar nenhum líquido com açúcar e ter pés de jogadora de futebol de salão. a que beija o papel devotamente porque era a primeira vez que lhe escreviam aquelas sentimentalidades e se um dia você for embora, me leva contigo Dindi, mesmo que seja da natureza o dono dessa saudade ainda não sentida. a necessidade de perdoar, que muitas vezes é mais importante que pedir perdão.
Tudo que vem do mar, tudo que vem da terra, tudo que vem de algum lugar que a gente não vê, mas que ela está ali porque concreto, tudo isso têm o mesmo nome, marinho.
E como todas as cores que dizem alguma coisa, mesmo que o vermelho da rosa não faça bem e que a predileta seja a branca, elas se misturam e viram o rosa, 'a vida em cor de rosa', em todas as partes desse corpo que já é seu.
é por precisar dizer que te amo, te ganhar ou perder sem engano e sussurrar ne me quitte pas que o tempo demora mas urge a chegar num ponto em que um único olhar vai bastar pra dizer tudo isso. é perceber que carinho não é ruim e que mulher que nega não sabe não, não porque tem alguma coisa de menos no seu coração, mas que vai descobrir com fomosura como se fazer mais bonito.
tudo junto de dois lugares diferentes- tão perto de casa e distantes pelas diferenças - com todas as referências reais e ideais, possíveis e prováveis, cantadas e atuadas que se unem aos poucos. tudo isso enquanto a chuva que chove e mesmo assim espera elas chegarem em casa pra cair limpando o ar pra uma fotografia das duas depois de um dia em um lugar que é só dela.

terça-feira, 15 de dezembro de 2009

e por falar em paixão

"eu não vejo mais a hora mas continuo a apressá-la pra chegar logo a hora de não ter mais tempo pra perder quando estou com você.
e não vejo mais nada além de você quando passo nas horas e ainda quero te ver.
e no dia entra a noite e ainda estamos lá pra ver a madrugada chegar e quando vemos já passamos por ela pro dia seguinte.
e seguindo vamos ao dia que espera sem agonia tudo recomeçar.
e quero mais sem nada nem hora nem dia nem noite nem madrugada
pra te esperar"

sábado, 12 de dezembro de 2009

Um romance, minha querida, ou se vive ou se escreve. Eu quero vivê-lo!

Ela é Marluce

Cantar uma música inteira sem desafinar sempre foi o sonho dela. Sempre. Desde que aprendeu a falar e identificar as melodias de uma simples cantiga de ninar. É claro que isso é uma simples especulação de sua memória, não tem registros filmados, a não ser pelas fotos (que são mudas) das suas festas de aniversário, nem um verso de uma musiquinha em gravadores antigos. A frequente presença de canções em sua vida a fez se dedicar quatro anos às aulas de piano, mas também não acompanhava cantando, apenas transferia para as teclas a vontade que tinha de abrir a boca....era tão lindo suas mãos deslizando sobre os retângulos quadrados e pretos... sim! ela tocava com a direita e a esquerda!
Mais tarde o piano ficou pra trás. Comprou um walkman e ouvia as músicas gravadas do rádio, as que mais gostava e ainda as tradicionais de mpb. Sua vida sempre teve uma trilha sonora, uma música que lembrava uma situação ou que a levava a um futuro quase promissor.
Os anos se passaram, ela passou pelos anos assim como tantas pessoas pela sua vida e ela na vida de outras. Cada cheiro uma música, cada melodia um aperto no peito, cada nota uma vontade de sair pulando pela rua, cada silêncio entre as palavras cantadas um grito iminente na boca.
Aí, normal, tranquilo, tudo em cima, papo firme, et cetera e tal isso se tornou rotineiro, sempre com um fone no ouvido e agora, escutando as músicas que mais apetecem o contexto geral da sua existência.
Eis que há um mês, Marluce conheceu uma cantora daquelas que tocam em bar, em vários da cidade. E aí, voltou em Marluce a vontade de colocar pra fora todas as músicas, sabidas ou não por ela. Mesmo que ela fique só batendo os lábios na profunda intenção de acertar a letra numa parte que não lembra e logo depois vai pro refrão como se tivesse cantado a música inteira. Cada palavra do dia de Marluce ela pensa 'caraca, tem uma música com essa palavra, qual é mesmo?' e se mete a tentar lembrar. Ela não sai da internet procurando letras de música, coloca trechos que inventa pra ver se vem alguma coisa no google, conhece cantores e bandas de todos os lugares pra satisfazer o desejo de saber cantarolar e reconhecer uma canção ainda nos primeiros acordes quando toca no rádio.
Ela pensa que podia ter uma música chamada 'Marluce', igual a 'Beatriz', 'Ana júlia', 'Amélia', 'Luiza', mas seu nome não rima com quase nada e ninguém teve uma Marluce especial pra que compusesem uma letra pra ela.
Ela assistiu noutro dia o documentário do Nelson Freire e chorou. Ela vai voltar a tocar piano.
Além do que, está viciada na cantora e segue ela em todos os cantos onde vai se apresentar.
Marluce não vai virar cantora.
Marluce vai apenas cantar e fazer a própria trilha da sua vida.

sábado, 5 de dezembro de 2009

sempre que olho à minha esquerda quando estou no computador do quarto - que também foi meu um dia - vejo uma luz acesa, um pouco mais alta que a minha janela, do outro lado da rua. há, no mínimo, 10 anos que ela está assim. é o vizinho da frente - um dia ele me deu um livro com uma das dedicatórias mais impactantes que já recebi, dizia alguma coisa sobre genuinidade. e desde então uso essa palavra sempre que posso: genuíno, genuinidade.
mas essa luz, que me faz ver sua estante cheia de livros, permanece acesa apesar de. não sei se ele não dorme, se ele deixa a luz acesa só pra dizer que está acordado, mesmo que já esteja dormindo, se ele esqueceu acesa (e isso seria muita coincidência. todos os dias?). a impressão que dá é que ele está sempre por lá e por aqui de certa forma. até por que, quando falta luz na rua e a lâmpada não pode estar ligada, ela é substituída pela figura dele na sacada, com seu inseparável carlton vermelho. noutro dia eu vi só a brasa do cigarro dançando no ar.
eu costumava passar muitas das minhas madrugadas em sua companhia, compartilhando cinzeiros, literatura e segredos sabidos por todo mundo, tanto de um como de outro, mas que, os meus, ouvidos por ele, passavam a ter outro significado.
vou voltar lá dia desses pra fazer mais porque faz bem. basta atravessar a rua com meu chaveiro na mão e todas as novidades de todos esses 4 ou 5 anos.

Merci

diga obrigada. agradeça. faça um sinal com a cabeça. acene com a mão direita. faça papo-firme, assim com o dedão levantado. pisque o olho. faça jus ao que se teve e pronto, pode ir feliz, sem dever nada. mais que saber que doou, reconheça o que aprendeu e não guarde só pra si. não se deixe pensar inadimplente ou desrespeitoso. não perca o tempo de dizer o quanto valeu. não ache que está tarde demais para isso, nem ache que só pensar e saber é suficiente para o outro acreditar. e assim foi criada a luz e sem perceber todos ficaram cegos porque a lua deixou de existir e ninguém mais olhava para a mesma direção, o pobre do cãozinho não tinha pra quem uivar. ninguém disse nada e até hoje procuramos onde pousar os olhos e acabamos como mariposas atraídos para a lâmpada. e ninguém disse nada. e a lua atrás de uma resposta para sua recusa.
cada um com sua lua enquanto a verdadeira, lá fora, muda constantemente de nova, crescente, minguante e cheia para que a percebam. só quando ela explode de tão cheia com são jorge matando o dragão é que ela surge esplêndida no céu.
foi a gente, que deixou de ver além e acha que o ilimitado céu pode ser trocado com uma lâmpada queimada.

Formosa

Composição: Baden Powell / Vinicius de Moraes
Formosa, não faz assim
Carinho não é ruim
Mulher que nega
Não sabe não
Tem uma coisa de menos
No seu coração
Formosa, não faz assim
Carinho não é ruim
Mulher que nega
Não sabe não
Tem uma coisa de menos
No seu coração
A gente nasce, a gente cresce
A gente quer amar
Mulher que nega
Nega o que não é para negar
A gente pega, a gente entrega
A gente quer morrer
Ninguém tem nada de bom sem sofrer
Formosa mulher!

E se você descobrir que saltar do ônibus às pressas pode significar subir alguns degraus em você?

E assim lembro que arriscar é sinônimo de petiscar.Tudo começa com um cardápio. Você o abre e procura um prato deliciosamente degustável. O nome não especifica o que seja, porém só pelo título, percebe-se que tem algum tempero especial.Mas rotineiramente, pede-se o menu já conhecido pra não se dar o trabalho de perguntar ao garçon o que deve pedir.Isso leva algum tempo. Muito tempo. Tanto tempo que o condicionamento de optar sempre pela mesma refeição incomoda quem está à sua volta. Sim, há amigos que tentam oferecer, não com muita frequência, um ou outro prato diferente, e a escolha é indiscutivelmente aquele código correspondente ao PF. No entanto, amigos são amigos e pensam sempre te conhecer intimamente quando na verdade não enxergam seu reflexo no prato. É porque o prato já não reflete mais, a comida esta intacta.O prato ainda cheio, depois de quase duas horas sentado à mesa é constrangedor pro garçon. Ele sim, se preocupa com seu cliente e quer vê-lo satisfeito com seu serviço. Faz de tudo pra agradar, mostra o cardápio novamente, não cobra o valor total nem 10%, dá a sobremesa de cortesia, aconselha um prato...Nesse exato momento, lá pela 00:00h, quando o expediente está quase encerrado ele aconselha aquele prato. Aquele prato com nome indecifrável, nada minucioso e com tempero especial. Internamente eufórico, sem qualquer alarde, faz-se o pedido 1305.O tempo não passa, angustiante, o aroma chega até o salão e inebria quem está à sua espera.A surpresa de ver a combinação perfeita é tanta que os talheres não cabem nas mãos, o guardanapo permanece ao lado do copo pela metade com água em temperatura ambiente.Ao se deparar com aquela obra de arte esteve certo que ser comida era pouco, insuficiente. Ela deveria ser almejada, apreciada, degustada e devorada.O enorme prazer proporcionado por aquele alimento, se refastelar, de ingerir, devorar, deglutir impressionava o serviçal que admirava boquiaberto aquele quadro. O constrangimento vinha agora do cliente bem servido que, quanto mais se alimentava, mais vontade tinha de sorver especiarias e nutrientes provindos daquele manjar e que quanto mais pressionava as mandíbulas de leve pra não destruir a obra de arte, mais ela crescia no prato de louça a sua frente.O movimento da mesa até à boca acelerou as horas e todos estavam somente à espera do sujeito da mesa 05. Deveria ser rápido e pensar numa solução: embrulhar pra viagem. O pedido foi executado com sucesso, mas o homem, desprovido dos sentidos, desde o jantar, esqueceu sua marmita e pegou o primeiro ônibus que passava. Ele ainda estava com o pensamento no restaurante.Destraído, ainda saboreando o que seu paladar acabara de provar, se deu conta de que nada tinha nas mãos. Salta do ônibus, ainda em movimento e corre exaustivamente ao encontro de seu embrulho.O guardião previa sua volta e entrega-lhe o pacote.Ele retorna à sua casa, sem ansiedade, sem a necessidade de querer, sem saber, o que decidir.Sua aparência esquálida e sua visão turva despedem-se de seu corpo, dando lugar à vitalidade de um sorriso e à cumplicidade de um olhar. Genuínos.E, mesmo que vez em quando, tenha dias como os costumeiros, de repetir pratos por preguiça, ele se pega petiscando os mais valiosos sabores da vida. Ele se rendeu, se pôs em risco pela vontade alheia. Sempre que acorda agradece ao funcionário, a descoberta apresentada.Assim, ele descobriu que saltar do ônibus às pressas, o fez subir alguns degraus na vida.

quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

All-star

E lá estava ela, esperando o vendedor chegar com o par de all star que procurava há muito tempo. Não era exatamente da cor que queria, mas estava bem perto de alguma coisa que pudesse se concretizar. Apoiava os braços ao lado do quadril e isso fazia com que os ombros subissem um pouco, deixando sua cabeça enterrada entre eles, balançava os joelhos abrindo e fechando enquanto esfregava um pé no outro. Ela nem se deu o trabalho de ir à loja com o par antigo, colocou mesmo uma havaiana, pois sabia que ele estaria esperando por ela.
Chegou em casa com ele reluzindo na cor vinho, de couro. Falar nisso, ela tratou de colocar os chinelos de dedo na caixa e usá-los na hora.
Ela é bastante prevenida, porque ser de couro não é só por ser mais bonito, mas, caso chova, diferente do all star de lona, não entra água com facilidade e com esse tempo maluco não se pode confiar...
Mas como qualquer sapato, ficava ali no canto ou pegando o sol matinal para higienizar o suor que inevitavelmente ele absorve. Um certo dia, na casa de um amigo, enquanto falava ao telefone, se fixou nele por alguns instantes e reparou que daqui uns dois ou três meses ele já vai ter a forma do seu pé: se algum amigo quiser experimentar vai achar esquisito porque a palmilha vai ter o formato da sola do pé dela ou quando ele estiver estacionado em algum lugar não vai ficar com as solas rentes ao chão, pode ser que ela pise um pouco torto.
Foi aí que ela teve um pensamento - tudo é um motivo pra uma analogia das coisas da vida - comprar objetos que deseja é tão maravilhoso! e melhor ainda é saber que farão parte da sua vida por algum tempo, saber que eles vão se adaptar ao seu modo de viver e que você pode abrir mão de antigos hábitos para entrar novos costumes. Na verdade, ela pensou que a todo momento se pode ter conclusões diferentes e surpreendentes nas pequenas aquisições da vida. Nesse caso, embora ela ainda não tenha abandonado o all-star de lona creme, o outro veio cheio de surpresas e para calçá-la.